*Fonte: Estado de São Paulo.
É comum, no mundo corporativo, a troca de informações sobre matérias importantes para a gestão da empresa. Tal intercâmbio, relativamente à gestão de pessoas, envolve informações sobre boas práticas de recursos humanos, treinamentos, medidas que potencializam a produção, indicação de fornecedores de produtos e serviços, indicação de profissionais para vagas disponíveis, dentre outros itens.
Ocorre que, desde o último dia 17/03 o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) passou a investigar, através de processo administrativo, as trocas de informações ocorridas entre profissionais de recursos humanos para apurar se tais diálogos poderiam ser enquadrados como práticas anticompetitivas.
A investigação, a princípio, envolve 37 empresas e mais de 100 pessoas físicas do setor de fornecimento de equipamentos e serviços de saúde, em São Paulo, podendo culminar com a aplicação de multas elevadas e imposição de restrições.
Ponto de extrema relevância e que não deve ser deixado de lado pelas organizações, é a obediência às regras de compliance, com base na lei nº 12.846/13 (Lei Anticorrupção) e a obediência à Lei n. 13.709/2018 (Lei Geral de Proteção de Dados), devendo os setores de Recursos Humanos utilizar informações para fins lícitos e preservar as informações pessoais de empregados e candidatos, sendo imprescindível o cuidado com o armazenamento e tráfego das informações de cunho pessoal e sensível (ex: sexo, estado civil, salário, etc.)
Por outro lado, é forçoso reconhecer que as empresas, respeitadas as regras insculpidas nas normas citadas acima, podem se associar para atingir um fim comum, trocando informações com total respaldo na Constituição da República, que prevê, de forma geral, que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei” e, de forma específica, a liberdade de associação (artigo 5º, incisos XVII a XXI).
Sob este aspecto, interessante lembrar que os sindicatos, tanto de empregados quanto de empregadores, são espécies do gênero associação e cotidianamente também fazem trocas de informações sobre salários e benefícios. A troca de informações ocorre não só entre as empresas, mas também entre os trabalhadores que se associam em sindicatos, federações, confederações e centrais sindicais. Desde a década de 1950 contam ainda com o apoio técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócioeconômicos (DIEESE) que tem por objetivo prover o movimento sindical brasileiro com informações e pesquisas sobre as relações trabalhistas. Tal troca de informações é salutar e desejável, pois permite aos trabalhadores construir argumentos sólidos para suas negociações coletivas. O direito de associação e de troca de informações assegurado aos trabalhadores há de ser assegurado também às empresas e aos profissionais de RH.
Uma situação grave, do ponto de vista concorrencial, seria a configuração de cartel para impedir contratações (lista negra) ou para combinar salários iguais a serem pagos por todas as empresas.
Outra situação bem diversa e lícita é aquela em que os profissionais ou as empresas apenas trocam informações a respeito de práticas trabalhistas, sobre o que uma empresa fez e que deu certo, o que foi bom para o clima organizacional, o que é efetivo para a retenção de talentos e, até mesmo, a troca de informações sobre reajustes e faixas salariais. É a prática conhecida como benchmarking.
É certo que a investigação do CADE será um marco no nosso país e servirá de linha mestra na atuação dos profissionais de RH e na condução das políticas internas nas empresas. Entretanto, caso seja apurado eventual abuso por parte de algumas empresas ou profissionais, espera-se que ele seja coibido sem diminuir as liberdades constitucionais das empresas, profissionais de RH e trabalhadores em geral. Afinal, a eventual censura ao direito de intercâmbio de informações ferirá o artigo 5º da Constituição da República que consagra as liberdades fundamentais, tais como, a liberdade de pensamento, de opinião e de associação.
*Felipe Cunha Pinto Rabelo, advogado especialista em Direito do Trabalho, mestre em Direito, Sócio do escritório TPC Advogados, diretor jurídico da ABRH-MG, árbitro na CAMES, membro do Centro de Estudo de Advogados (CESA – seccional Minas Gerais)
*Rafael Grassi, advogado especialista em Direito de Empresa e em Direito do Trabalho, MBA em Gestão de Recursos Humanos e Mestre em Direito. Professor do CEDIN – Centro de Estudos em Direito e Negócios