O ser humano se viu, ao mesmo tempo, empolgado por suas conquistas tecnológicas e pressionado por elas
*Por Carlos Alberto Hilário Andrade
O mundo mudou e continuará nessa jornada infinita de transformação. Tais alterações têm provocado sensações diversas nas pessoas, tão intensas a ponto de parecer que nós, humanos, estamos vivendo um estranhamento de nossa própria condição. A virtualização dominou as conversas e pautou as relações desde o final do século XX. O ser humano se viu, ao mesmo tempo, empolgado por suas conquistas tecnológicas e pressionado por elas.
Essa relação, por vezes, pode ter estimulado as pessoas, dentro das organizações, a reprimirem suas características primárias típicas do humano – emoções, sensibilidades, afetos, empatia – para dar lugar a recursos humanos mecanizados. Ao se distanciar de si, o ser humano se vale de faces e máscaras que não lhe são confortáveis e seguras no longo prazo. Ninguém suporta viver um personagem por muito tempo e, caso seja essa a opção, as consequências podem ser danosas à saúde mental. Sabemos que 18% das pessoas vão apresentar depressão em algum período da vida e que, de acordo com os dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 350 milhões de pessoas no mundo sofrem com a depressão, o que consiste em 5% da população mundial. Esses números só comprovam a urgência de todos os setores da sociedade voltarem sua atenção à saúde emocional, inclusive as empresas.
Esses personagens que assumimos, seja nos palcos da vida ou das organizações, podem dar lugar a uma infinidade de soluções, alternativas e disrupções, desde que tenham lugar e ambiente propício para despirem-se das máscaras e serem a beleza e o talento que são. Ao darmos voz às nossas vulnerabilidades, e ao ecoarmos nossas potencialidades, podemos sim nos distanciar de personagens caricatos e socialmente aceitos para dar lugar à essência que grita em cada um de nós. Não é por acaso que os temas da diversidade e inclusão têm sido cada vez mais falados no ambiente corporativo.
Será que as empresas estão considerando, em sua estratégia de gestão de pessoas, todo esse contexto? É importante ter em mente que as pessoas, desde o nascimento, buscam conhecer o mundo para serem capazes de adaptar-se, encontrando alternativas seguras de satisfazer suas necessidades. Um dos pilares fundamentais para o indivíduo realizar uma adaptação saudável é encontrar estabilidade no ambiente onde vive, coisa que não existe mais em nenhum ambiente, em praticamente nenhum dos âmbitos da vida.
Refletindo sobre esse cenário até aqui, já é possível perceber o nível de complexidade que temos para organizar nossas vidas, inclusive no trabalho. Afinal, no ambiente organizacional entra em cena algo que está no âmago das necessidades humanas: a necessidade de fazer parte e a de ser amado. Essas duas necessidades, que chamo de básicas do indivíduo, se potencializam no ambiente de trabalho porque falhar no atendimento de qualquer uma delas toma significados que destroem a identidade da pessoa. Tal fracasso pode representar incompetência, redução das perspectivas de carreira ou até a perda do emprego. Lembrando que o nosso trabalho, nossa profissão e nosso fazer definem o lugar que teremos direito a ocupar no mundo e, com isso, também é definido o nível de confiança, autonomia, motivação e da performance em relação ao potencial máximo da pessoa.
Não há outro caminho para endereçar essas questões nas organizações senão a consciência do líder no sentido de reconhecer a diversidade e escolher verdadeiramente incluí-la no ambiente empresarial, de modo que cada pessoa tenha liberdade de expor todo seu talento. Não estamos falando de um modismo ou de algo “politicamente correto”, mas sim da única forma por meio da qual os líderes à frente das organizações terão mais chances de contribuir com a construção de um futuro melhor, no qual haja lugar e seja possível a interação humana em todas as suas formas, possibilidades e potencialidades.
*Carlos Alberto Hilário Andrade é presidente do Conselho Deliberativo da ABRH-MG. Este artigo foi originalmente publicado no jornal O Tempo em 05/09/2019