*Por Sônia Mara de Oliveira
Em julho, no período de férias, fui com a minha amiga assistir ao lançamento da Disney Pixar, Divertida Mente. O cinema estava repleto de crianças com os pais, os avós, amigos e pessoas de todas as idades. Antes de ressaltar pontos que me chamaram a atenção, quero lhe fazer algumas perguntas importantes. Sugiro que responda antes de ler a minha interpretação.
Como lida com as emoções, quando perde algo ou alguma pessoa querida? Fica triste e vivencia a tristeza ou tenta se distrair para esquecer os acontecimentos, procurando retirar da sua mente a dor? Fica com raiva de tudo e qualquer acontecimento lhe tira do eixo? Aproxima das pessoas importantes da sua vida ou se isola? Compartilha os seus sentimentos ou procura ser forte e não os demonstra? Sente-se ridículo (a) e analisa friamente, o que está acontecendo?
O filme contou com a supervisão de Paul Ekman, considerado o melhor especialista mundial na análise das emoções e expressões humanas, principalmente as faciais. O seu trabalho é citado em vários livros como “Blink” do Malcolm Gladwell e é devido ao seu sistema de codificação facial (FACS) que hoje é possível ver animações da Pixar no cinema com bonecos tão “reais” no que concerne à expressão de emoções, como o Divertida Mente.
Podemos refletir sobre o filme à luz de quatro pilares: tornar-se mais consciente quando identificar que pode ficar inundado pelas emoções, mesmo antes de agir; escolher como se comportar sob o controle das emoções, de forma a atingir os objetivos sem magoar outras pessoas; tornar-se mais sensível às emoções dos outros; e usar de forma cuidadosa as informações sobre como os outros se sentem.
Paul Ekman considera sete emoções básicas, são elas: medo, alegria, tristeza, raiva, surpresa, desprezo e nojo. Todas elas aparecem em determinadas situações, inclusive a solidão, mas as que estão na sala de comando da garotinha Riley são: o Medo ( magro e sempre trêmulo), a Alegria ( amarela, saltitante, comandando as ações), a Raiva ( vermelha, ranzinza e com a cabeça em chamas) a Nojinho ( verdinha e com olhar superior) e a Tristeza ( azulzinha, com o corpo curvo e olhar baixo).
Vamos à minha interpretação. Eu já sabia que se tratava de um filme em que os protagonistas eram as emoções básicas de uma garotinha, mas não sabia ao certo o que esperar disso além de um filme divertido. Pois bem, o filme me encantou. Ele é rico em analogias e ilustra muito bem o que se passa na nossa mente diante da mudança. Aborda com maestria as reações e os efeitos da tristeza diante da perda. Além disso, mostra como lidar com esse sentimento básico fundamental para a nossa sobrevivência emocional. É um filme sobre a perda e as consequências de reprimirmos as emoções. Riley , a garotinha, vivencia um momento de perdas.Perde os amigos e o conforto do seu lar, quando se muda de Minessotta. Para complicar um pouco mais, ela está entrando na pré-adolescência, o que implica a perda da própria infância.
O inicio da sua vida era estável ao lado de pais amorosos, na cidade de Minessotta. Na cabeça dela dividiam a “sala de comando” a Alegria, a Tristeza, a Raiva, a Nojinho e o Medo – emoções básicas que todos nós temos, incluindo os pais de Riley . A Alegria era a emoção dominante, sendo mais ativa que as demais. A estabilidade e a convivência saudável preponderam e os valores como família, amizade, honestidade, diversão e esporte surgem e são a base da sua personalidade, armazenados na memória básica.
Cada emoção se expressa de forma diferente no desenrolar do filme. Cada uma tem diferentes expressões faciais associadas, um tom de voz específico e diferentes ações. A Raiva é atenta ao ambiente e se aproxima da situação (lendo as notícias) com olhar crítico. Aparece quando Riley se sente lesada. Medo: desorientado evita a situação com ações de fuga. Ele previne lesões e garante a integridade física e psíquica. Nojo: olhar de cima, evita também a situação, sendo mais próxima da Raiva. Ela previne intoxicações sociais e até alimentares. Alegria: se aproxima da situação, com visão das possibilidades. Revela grande energia. Aparece nas conquistas e é um grande fator motivacional. Tristeza: rondando a situação com voz lamuriosa, tenta se expressar, no entanto, a alegria procura evitar que ela apareça, a qualquer custo. E felizmente não consegue, pois ela é importante para lidar com as perdas e equilibrar as ações.
A história começa quando Riley passa por uma grande mudança em sua vida, gerando uma confusão na “sala de comando” e alterando a supremacia da Alegria – o que mais cedo ou mais tarde ocorre na vida de todos nós. Neste momento, as ações se tornam disfuncionais, ocasionando uma pane geral na sala de controle. Ao reprimir as emoções os comportamentos são alterados e os valores afetados.
A tentativa da Alegria em manter a Tristeza longe chama a atenção, no filme, pois é algo que fazemos no nosso dia a dia: botamos um sorriso no rosto, dizemos para nós mesmos que está tudo bem e seguimos em frente, mesmo que no fundo isso não seja tão verdadeiro assim. A tendência é invalidar a tristeza. Ao fazer isso, a mente fica totalmente desintegrada, ocasionando desequilibro no sistema. Muito bem ilustrado no filme.
Ao chegar à cidade de destino Riley fica surpresa ao ver a nova casa, mas ao mesmo tempo, surge a decepção por vê-la abandonada e com ratos. Tudo diferente do seu mundo. Assim, com os sucessivos fatos, atraso da mudança, dormir no chão, colegas diferentes, pizza vegetariana, insucesso no jogo, Riley se isola, aparecendo a solidão, companheira nada adequada para este momento. A percepção de isolamento social provocada por ela só acentua o sentimento de tristeza, que não consegue se expressar, tendo uma visão distorcida da situação.
A Alegria, numa tentativa frenética de negar a tristeza é sugada para o “inconsciente” da menina, parando na memória de longo prazo, no passado. E a tristeza vai junto. Lá encontram com o amigo imaginário, uma estratégia para se adaptar à vida, quando criança, revelando esperança. Parece que a menina parou de sonhar. No trem do pensamento , em um dos vagões surge a solidão totalmente desintegrada. As coisas não se encaixam.
Com a saída da alegria e da tristeza, a raiva assume o controle da situação e a luta pela sobrevivência é reforçada na mente de Riley. Com o pensamento controlado pela raiva planeja voltar para Minnesota, onde era feliz. Neste momento, as ilhas começaram a se desmoronar inclusive a da honestidade, quando tira o cartão da bolsa da sua mãe.
Aparece também o painel de controle dos pais. O da mãe predomina o amarelo juntamente, com o azul ( alegria e tristeza) com comportamentos mais ponderados e amorosos, do pai colorido de vermelho ( mais agressivo) principalmente, quando provocado pela raiva da Riley.
Com o resgate do sonho, lá nas memórias de longo prazo, a Alegria descobre a importância da Tristeza reconhecendo-a, dando a ela as memórias de curto prazo. Neste momento, Riley em fuga, começa a lembrar dos seus sonhos, da sua família e resolve voltar para casa. E na sua mente, a alegria e a tristeza são lançadas no vidro da sala de comando e só conseguem entrar porque a nojinho direciona a raiva para o vidro, abrindo um buraco por onde elas entram. Essa cena mostra a importância da raiva, que quando bem canalizada abre oportunidades. E foi isso que aconteceu. Riley abraça os pais e chora, expressando a sua tristeza pelas perdas. Os pais validam os seus sentimentos, apoiando-a e somente assim, ela se adapta à nova realidade.
É legal notar que o painel de comando das emoções vai ficando complexo com o passar do tempo. No começo, Riley tinha um painel simples, em que só uma emoção era capaz de ocupar – daí a primazia da Alegria. Com o amadurecimento, o painel aumenta e as emoções comandam juntas, como pode ser observado nos pais de Riley e, mais para o fim do filme, na própria garotinha. Com o painel mais complexo, as memórias podem ser formadas por sentimentos mistos (ou seja, por mais de um sentimento) e novos “ilhas da personalidade” surgem, ampliando a autoeficácia da menininha.
Assim, acontece conosco também. Na medida em que aprendemos a lidar com as emoções, mais eficazes nos tornamos, mais conscientes das nossas forças e vulnerabilidades.
Penso que a proposta central do filme seja: aceite a tristeza, deixe-a se manifestar, envolva-se pacientemente com as lutas emocionais diante das mudanças e saiba lidar com as perdas, próprias das situações. A tristeza irá deixar claro aquilo que foi perdido (no passado) e impulsionará para os ganhos, que são as bases de novas identidades e oportunidades.
Apesar do filme não abordar diretamente, trata-se de um processo de integração – mente, emoção e ação. Estado em que o sujeito evolui de uma postura infantil de identificação para um estado de maior diferenciação, o que implica uma ampliação da consciência.
*Sônia Mara é coach e especialista em desenvolvimento de pessoas.