Enquanto muitas empresas se concentram em indicadores como produtividade, turnover e engajamento, uma ameaça silenciosa atua nos bastidores, corroendo não apenas resultados, mas também pessoas: o gaslighting corporativo. Trata-se de uma forma sutil e perversa de manipulação psicológica, em que líderes ou colegas distorcem a realidade para fazer com que um profissional duvide da própria memória, percepção e até da própria competência. Esse comportamento, que não é conflito comum nem falha de comunicação, mas sim uma violência psicológica estrutural, tem causado estragos profundos nas relações de trabalho e nos resultados das organizações.
Imagine a cena: uma profissional chamada Marina entra em uma reunião confiante, com um relatório em mãos. Há três meses, havia negociado verbalmente um aumento com seu gestor, após liderar um projeto crítico. Ao relembrar o combinado, ouve do líder que “nunca fecharam nada formalmente” e que, na verdade, ela ainda “precisa amadurecer”. O gestor segue, com um sorriso ambíguo, apontando falhas inexistentes e sugerindo que Marina espere mais seis meses para “provar que está pronta”. No fim, a elogia vagamente e a orienta a não se precipitar. Marina sai da sala com a sensação de que algo está errado, mas incapaz de explicar exatamente o quê. Ela duvida de si mesma — e esse é o objetivo da manipulação.
O gaslighting é mais comum do que parece e se manifesta por meio de táticas como negação de fatos, minimização de conquistas, inversão de culpa e falsas promessas. Diferente de um conflito saudável, é um padrão repetitivo de controle emocional que enfraquece a autoconfiança da vítima. Seus efeitos são profundos: intensifica a síndrome do impostor, causa isolamento e pode levar ao esgotamento mental. Nas equipes, mina a colaboração e promove a fuga de talentos. Para a organização, os prejuízos surgem em forma de absenteísmo, ações trabalhistas e perda de inovação.
Identificar o gaslighting exige atenção a certos sinais. Quando um colaborador passa a justificar em excesso seus erros, se isola repentinamente ou demonstra um padrão de autodesvalorização em avaliações de desempenho, é possível que esteja sendo vítima desse tipo de abuso. Da mesma forma, equipes com rotatividade alta sob uma mesma liderança merecem atenção especial — há grande chance de que o problema esteja na condução emocional, e não nos profissionais em si.
Combater o gaslighting exige ações coordenadas. Líderes devem adotar uma postura transparente, empática e fundamentada em feedbacks claros. RH pode atuar com treinamentos, pesquisas de clima e programas de mentoria reversa. A forma mais eficaz de prevenção, porém, é tornar o invisível mensurável. O Índice de Práticas Gerenciais (IPG) permite avaliar objetivamente a qualidade da liderança por meio de dados como clareza, coerência e justiça nas relações. Diferente de denúncias isoladas, o IPG identifica padrões e viabiliza ações preventivas com segurança e eficácia.
A implementação do IPG pode começar por projetos-piloto em áreas com alta rotatividade, evoluindo para metas vinculadas a bônus de liderança e até rankings anônimos por departamento. Mais do que um instrumento de controle, o IPG é uma ferramenta de cultura: ele mostra que a organização valoriza não apenas o que se entrega, mas como se lidera. Ele permite transformar práticas subjetivas em métricas gerenciáveis — e, com isso, proteger o bem mais valioso de uma empresa: o seu capital humano.
Ignorar o gaslighting é permitir que ele continue corroendo silenciosamente a base das relações de trabalho. Reconhecê-lo e agir é mais do que uma medida de bem-estar — é uma estratégia de performance, inovação e sustentabilidade. A mudança começa com a consciência e se consolida com coragem, dados e compromisso. A pergunta que fica é: sua empresa está preparada para medir o invisível e proteger seus talentos antes que seja tarde?