Artigo | Os papéis psicodramáticos do líder organizacional

A consultora e conselheira da ABRH-MG, Thelma Teixeira, aborda neste artigo o psicodrama, metodologia de investigação, intervenção e técnica de desenvolvimento humano com raízes no teatro, na sociologia e na psiquiatria.

OS PAPÉIS PSICODRAMÁTICOS DO LÍDER ORGANIZACIONAL 

1º de abril de 1921. Komoedien Haus, teatro em Viena. Jacob Moreno, jovem de origem romena, apresenta-se sozinho, sem preparação alguma, perante uma plateia de mais de mil pessoas. Levantada a cortina, no palco apenas uma poltrona de pelúcia vermelha, de espaldar alto e armação em talha dourada, como o trono de um rei. No assento da poltrona, uma coroa dourada. “A Viena do pós-guerra não tinha governo estável, nem imperador, nem rei, tampouco líder” – o ousado jovem convida a plateia a subir ao palco, sentar-se no trono e atuar como rei. O público era o júri. Ao final do espetáculo, ninguém havia se considerado digno de ser rei.

Nascia o Psicodrama, metodologia de investigação, intervenção e técnica de desenvolvimento humano, com raízes no teatro, na Sociologia e na Psiquiatria. Seu criador, Jacob Levy Moreno (1889-1974) era filósofo, dramaturgo, pesquisador, professor, médico-psiquiatra e terapeuta. Foi um pensador prolífico, visionário, com grande energia criadora e ideias desafiadoras para sua época.

O Psicodrama tem como base a teoria dos papéis e da espontaneidade/criatividade, e usa a dramatização como seu recurso básico. Segundo Moreno, “os papéis são unidades culturais de conduta, possuindo as características e particularidades da cultura em que se estruturam e consistem na forma de funcionamento que a pessoa assume no momento em que reage a uma situação específica, na qual outras pessoas ou objetos estão envolvidos”.

Um dos conjuntos de papéis da teoria do psicodrama são os chamados papéis psicodramáticos: aqueles que expressam a dimensão psicológica do Eu, surgem da atividade criadora e proporcionam respostas inovadoras. A atividade criadora, por sua vez, é resultante da espontaneidade, isto é, a resposta do indivíduo a uma nova situação ou uma nova resposta a uma antiga situação. É a capacidade de agir de modo adequado diante de situações novas, criando uma resposta inédita ou renovadora e transformadora de situações preestabelecidas. A espontaneidade permite ao potencial criativo atualizar-se e manifestar-se no desempenho de papéis. Um único papel não é capaz de responder à diversidade de exigências das situações onde atua o ser humano. No entanto, tem a possibilidade de atuar em inúmeros cenários, com o correspondente número de papéis necessários e exigidos.

A vasta literatura e inúmeras pesquisas sobre o tema Liderança definem conceitos, características, estilos e diversos papéis dos líderes. No entanto, ao considerartodos eles como imprescindíveis ao sucesso organizacional, mais confundem do que ajudam e pouco esclarece como desenvolvê-los. Torna-se necessário fazer uma seleção e concentrar-se no mais relevante e realista, para colocar em prática o que se apregoa.

Peter Drucker declarou em 2005, aos 95 anos, na sua última entrevista à imprensa: ”Toda essa conversa sobre líderes é uma bobagem muito perigosa. É tudo conversa fiada”. Confessou sua tristeza em constatar que, em pleno século 21, as pessoas ainda buscavam quem as comandassem, apesar do mau exemplo de líderes carismáticos como Stalin, Hitler e Mao.O papa da Administração se referia à importância da mudança do papel do líder.

Em seu último livro, 50 casos reais de Administração, Drucker brinda os leitores com casos reais e diversificados, analisando e comentando a situação e suas consequências.No prefácio, explica que são situações típicas e relativamente comuns nas organizações, referentes ao que as pessoas têm de enfrentar, resolver e decidir. Um deles relata a situação de um competente consultor jurídico escolhido para ser sucessor do vice-presidente, o que o levaria a liderar nove pessoas diretamente e 19.000 em nove países diferentes. Sentindo-se despreparado para a nova função, o consultor pediu prazo de três meses para assumir, no que foi atendido. Levantou uma lista enorme de livros sobre Administração de Pessoas e leu todos, mas quanto mais lia mais confuso ia ficando. Os livros eram cheios de procedimentos e todos falavam sobre o tipo de pessoa que ele deveria ser ou se tornar.Finalmente, resolveu pedir ajuda a um ex-presidente da empresa, pessoa que respeitava muito. O conselho do ex-presidente e o comentário de Peter Drucker indicam a necessidade de se estabelecer, desde o início, uma direção nítida, marcante e significativa de trabalho, mas os dois alertam que o mais importante está relacionado à atitude e à ação.Esse caso reforça a dificuldade em se resolver os papéis da liderança apenas com a literatura.

Rhandy di Stéfano, autor do livro O líder Coach, afirma: “O líder efetivo de hoje é aquele que entende o potencial de seus liderados e reconhece o seu papel no desenvolvimento destes”. Ele faz uma comparação entre o modelo antigo de gestão – em que o gestor diz o que fazer e tem as respostas, gerencia com foco nas tarefas e não nas pessoas, comanda e controla –, e o modelo de gestão de alta performance, no qual o líder é coach e professor, gerando desenvolvimento e amadurecimento profissional de sua equipe, para que ela se responsabilize a criar alternativas.

Anne Araujo, autora do livro Coach – um parceiro para seu sucesso, define como papel do líder coach, dedicar mais tempo às pessoas, reconhecer suas capacidades, incentivá-las a aprender, pedir sugestões, dar e principalmente receber mais feedback. As novas condutas são: ter postura inspiradora e orientadora; fazer perguntas que levem à reflexão e à ação; sair do foco do problema colocando-o na solução. A autora chama a atenção para o empowerment – uma das mais importantes abordagens de gestão que busca fortalecer as pessoas para viverem num mundo mutante, incerto e volátil –, e para a cultura do protagonismo, na qual os indivíduos se tornam mais conscientes, corajosos e bem-sucedidos.

Ram Charam, consultor, conferencista e conselheiro de CEOs e executivos em empresas de todo o mundo, traduz a essência da liderança  em oito competências:

1 -Posicionar e reposicionar (os negócios)

2 – Identificar mudanças externas

3 – Gerir o sistema social da empresa

4 – Avaliar, selecionar e formar líderes

5 – Moldar equipes

6 – Determinar os objetivos certos

7 – Estabelecer prioridades precisas e importantes

8 – Enfrentar forças que transcendem o mercado.

O autor destaca a importância de ter know-how em liderança como algo adquirido, desenvolvido com a prática e aperfeiçoado pela experiência.

Em seu recente livro Leading with honor, Lee Ellis, presidente da Leadership Freedom, palestrante, consultor e oficial da Força Aérea americana, apresenta 14 princípios-chave de liderança (abaixo descritos em tradução livre). Foram desenvolvidos e praticados pelo autor, que viveu cinco anos e meio como prisioneiro de guerra, e nessa situação se interessou pelo tema da liderança em tempos incertos.

Liderar a si mesmo:

Conheça a si mesmo – ter claro seu propósito, “paixão” e talentos.

Preserve seu caráter – definir seus valores com clareza e honestidade.

Mantenha uma atitude positiva – uma das melhores formas de liderar.

Confronte suas dúvidas e medos – acreditar e comprometer-se, apesar dos medos.

Lute para vencer – acreditar na missão, não desistir e lutar para o sucesso.

Saiba se reerguer – ter atitude própria e poder perseverar.

Liderar outros:

Esclareça e construa sua cultura – definir a cultura e assegurar-se de que ela esteja solidamente estruturada e efetivamente bem comunicada.

Comunique a mensagem excessivamente – ter um plano de comunicação compreensível e divulgá-lo muitas vezes e em múltiplos canais.

Desenvolva seu pessoal – comprometer-se com o desenvolvimento contínuo, fazer de modo diferente que exija mudança e influenciar as pessoas para agirem dessa forma.

Equilibre missão e pessoas – equilibrar resultados (realização da missão) e relações (cuidado com as pessoas). Descobrir quais competências devem ser desenvolvidas.

Construa equipes coesas – ajudar os membros da equipe a terem compreensão, aceitação e respeito uns pelos outros. Construir compromisso e lealdade.

Explore a criatividade – pensar no futuro e inovar para manter-se competitivo. Permitir e incentivar ideias inovadoras.

Valorize as tentativas e celebre os sucessos – encorajar o trabalho em equipe para obter sucesso e celebrar as vitórias e realizações.

Liberte os aprisionados – libertar as algemas que impedem o crescimento, evitar a amargura, conectar-se com as emoções e fazer a coisa certa, mesmo quando difícil.

Lee Allis destaca também a prática dos valores coragem, ética e honra, que manteve sua sanidade nos anos em que esteve preso, como extremamente útil para a atuação na vida profissional de quem quer se destacar como líder. Ele também ressalta a importância da competência e da confiança, para encarar “os mares turbulentos” da liderança.

Pesquisas com gestores, incluindo as da Fundação Dom Cabral, destacam como competências fundamentais de um líder: autoconhecimento, autocontrole emocional e ser comunicador, inspirador e desenvolvedor de pessoas. Conforme pesquisa da Global CEO Study 2010, realizada pela IBM com CEOs de empresas de 60 países, 59% dos entrevistados apontaram a criatividade, ou seja, a habilidade de encontrar soluções inovadoras, interpretar novas situações e propor ideias, como o atributo mais importante da liderança.

Matéria da revista Melhor (agosto de 2013) apresenta os resultados de uma pesquisa do The Conference Board, realizada com 730 CEOs, sobre os fatores que os desafiam – em primeiro lugar, aparecem as questões do capital humano (atração e retenção de talentos, falta de pessoas qualificadas, busca por maior engajamento) e, em segundo, a excelência operacional, seguida pela inovação e relacionamento com o cliente. Também foram citados como desafios, a reputação e a marca, a sustentabilidade e a confiança. No final de 2012, a mesma publicação divulgou os resultados de uma pesquisa da PwC, feita com 1.330 CEOs de todo o mundo, mostrando que eles reconhecem que as técnicas tradicionais de Gestão de Risco não são mais suficientes para enfrentar tanta pressão e problemas, que surgem de todos os  lados.

No Congresso Nacional de Recursos Humanos, CONARH 2013, promovido pela ABRH, foram apresentados os resultados do Fórum dos Presidentes, do qual participaram 114 CEOs e presidentes – apenas 12% deles consideram que suas empresas agem de forma inovadora e 58% têm a percepção de que seu quadro de executivos está comprometido. Isso significa que papéis imprescindíveis para o desenvolvimento organizacional não estão sendo cumpridos. Ainda no CONARH, Marcos Troyjo – diretor do BRICLab, centro de estudos sobre Brasil, Rússia,Índia e China da Universidade de Colúmbia – ressaltou que somos uma sociedade criativa, mas pouco inovadora, e precisamos transformar criatividade em inovação e inovação em resultado.

Diante de todos esses cenários e da diversidade de papéis demandados, é urgente e relevante que os líderes adotem novas condutas e comportamentos. Ou seja, que possam exercer na prática seus papéis e de forma inovadora. O primeiro passo na adoção de novos comportamentos é tomar consciência do seu papel de líder, compreendendo sua forma de atuação, identificando e avaliando os papéis relevantes que assume e outros que pode ou deve assumir, e comprometer-se. Trata-se da adoção de uma postura de consciência crítica. Além disso, ter a compreensão do desempenho do papel de líder e seu aperfeiçoamento,reconhecendo as possibilidades de exercê-lo mais adequadamente ao adotar uma liderança de alta performance. Assumir novas formas de atuação pressupõe comportamentos espontâneos e criativos, com múltiplas respostas novas e adequadas ao momento, abandonando formas uniformizadas e padronizadas de conduta que não respondem mais às necessidades atuais. Em síntese, atuar mais criativamente em diferentes cenários, com a diversidade dos papéis relevantes.

O Psicodrama é um método basicamente de ação (“drama” em grego significa “ação”), que utiliza várias técnicas, tanto no nível terapêutico como no educacional e no sócio-organizacional, visando tornar as pessoas mais espontâneas e capazes de dar respostas inovadoras aos desafios da vida. No Psicodrama aplicado às organizações, uma das técnicas específicas é o Role Playing ou Desempenho de Papéis.Consiste num processo de (re) aprendizagem no desempenho de papéis, visando tornar as pessoas mais sensíveis ao próprio funcionamento/modo de atuação e às suas modalidades de comportamento, gerando insights sobre seu desempenho em situações profissionais. A técnica propicia a identificação dos papéis que vêm evitando ou desempenhando sem convicção e espontaneidade. Outro objetivo é compreender o desempenho do papel profissional e seu aperfeiçoamento. Trata-se de uma oportunidade de corrigir comportamentos inadequados, preparar-se para atividades nunca antes executadas, rever os papéis de forma crítica e desenvolvê-los criativamente.O Role Playing favorece o reconhecimento das limitações e possibilidades de desempenhar, ampla e adequadamente, esses papéis, propiciando o desenvolvimento dos papéis psicodramáticos, ligados à criatividade e inovação. E resulta na adoção de condutas inovadoras, tão necessárias e exigidas no atual contexto, para atingir os desafiantes resultados organizacionais.

Em palavras mais poéticas da psicodramatista Maria Antonia Koury D’Arce, o psicodrama torna “o homem consciente de si mesmo e do contexto social em que está situado, capaz de refletir, de se expressar, de criar, de buscar novas respostas, de ser agente de transformação na relação com o seu trabalho e com o mundo”.

Líderes que tiveram a oportunidade de participar de técnicas psicodramáticas, como o Role Playing e outras aplicáveis no contexto das organizações, relatam como elas os ajudaram a exercer a liderança, com mais espontaneidade e criatividade, tomando consciência do seu papel e adotando novas formas de atuação.Enfim, a serem protagonistas e não figurantes em seus relevantes e múltiplos papéis de líder organizacional.

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Thelma M. Teixeira é professora associada da Fundação Dom Cabral. Psicóloga, psicodramatista, pós-graduada em Administração de Empresas, especialista em Psicologia Organizacional e em Psicologia Clínica, é consultora de empresas nas áreas de Desenvolvimento Humano, Desenvolvimento Gerencial e Desenvolvimento de Equipe.

 

*Artigo publicado originalmente na revista DOM da Fundação Dom Cabral, número 22, de Nov/Fev/2013/14.

PARA SE APROFUNDAR NO TEMA

ARAÚJO, Anne. Coach: Um parceiro para o seu sucesso. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011.

CHARAN, Ram. Know-how: as oito competências que separam os que fazem dos que não fazem.  Rio de Janeiro: Elsevier, 2007.

DRUCKER, Peter. 50 casos reais de Administração. São Paulo: Cengage Learning, 2010.

ELLIS, Lee. Leading with honor:  leadership lessons from the Hanoi Hilton.USA: Freedom Star Media, 2012.

MARINEAU, René, F. Jacob Levy Moreno – 1889-1974. São Paulo: Ágora, 1989.

MORENO, Jacob Levy. Psicodrama. São Paulo: Cultrix, 1986.

STÉFANO, Rhandy di. O líder coach: Líderes criando líderes. Rio de Janeiro: Qualitymark, 2005.

TEIXEIRA, Thelma, M. Psicodrama empresarial: O que, por que, como fazer. Belo Horizonte: Santa Clara, 2008.

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